Em 2004, um dos fundadores do Google, Larry Page, na carta direcionada aos acionistas interessados no IPO da companhia, intitulada “An Owner’s Manual for Google’s Shareholders”, sintetizou em uma frase a postura do agora titã do setor de tecnologia em relação a possíveis aquisições: “We will not hesitate to place major bets on promising new opportunities”.
Olhando para trás, parece que oportunidades não faltaram e tampouco a companhia hesitou em aproveitá-las: de 2001 a 2021, o Google – ou, então, a Alphabet, holding criada em 2015 para reorganizar os negócios – fez mais de 260 aquisições. Em meio a tantas operações de M&A, a compra do Android, módico diante das iniciativas já desenvolvidas pela Microsoft, merece destaque.
Logo após o IPO, realizado em 2005, o Google adquiriu o Android, na época uma pequena startup entretida com a concepção de um sistema operacional para celulares,por US$ 50 milhões. O Google passou os próximos três anos desenvolvendo o sistema operacional para aparelhos celulares até que a primeira versão do Android surgiu finalmente em 2008.
Para a companhia de Mountain View, a principal vantagem da aquisição foi clara: a integração de ferramentas dentro do Android permitiu ao Google incutir seus serviços e aplicativos em aparelhos celulares através de acordos com fabricantes. Assim, a base de usuários de ferramentas como YouTube, Google Maps e Gmail se expandiu, prosperando justamente em um momento em que os computadores desktop abriam espaço para a chegada de dispositivos mobile.
A aquisição se provou extremamente valiosa. O racional envolveu a pavimentação de mais um caminho que direcionasse usuários para o seu principal ‘ganha-pão’, propaganda. Em 2020, por exemplo, o business de anúncios respondeu por cerca de 80% da receita da Alphabet. Além disso, com o market share do Android, aproximadamente 73% contra 27% do iOS, o Google consegue manter, sem grandes ameaças, a dominância no mercado de buscas.
A hegemonia da companhia, entretanto, tem chamado a atenção de autoridades antitruste, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Em 2018, o Google foi multado em aproximadamente € 4.3 bilhões pela Comissão Europeia, sob a alegação de que a companhia abusava da posição de liderança do sistema operacional para assegurar a dominância do serviço de buscas, prejudicando a livre concorrência.
O fato é que a pequena aposta em Android é a ilustração da boa alocação de capital realizada pelo Google ao longo de sua história. O projeto de desenvolvimento de um sistema operacional, na época pouco alardeado, serviu para consolidar e fortalecer seu principal negócio. Contudo, nada fora do script, já que na carta escrita na época do IPO, Page se fez inequívoco: “Do not be surprised if we place smaller bets in areas that seem very speculative or even strange when compared to our current businesses”.